Maria Cecília

O amanhecer em Boa Viagem

Maria Cecília 15 de fevereiro de 2022 03 minutos

Ilustradora: Sabrina Gevaerd

Hoje acordei por volta das 04:30 da manhã, estava escuro e eu tentei dormir mais, mas não consegui. Depois de um tempo decidi levantar, fazer um pão na chapa e tomar um café, enquanto observava da varanda da minha casa o céu e o amanhecer que nascia.

Amanhecer para mim sempre teve um quê de especial, era o que compensava as infinitas noites ao longo da minha vida em que eu não consegui dormir. Contemplar o azul celeste e sem nuvens que se formava em meio aos prédios da cidade cinzenta de São Paulo, me fez voltar 15 anos no tempo e, por alguns segundos voltei para Recife. E para os inúmeros amanhecer que contemplei da varanda da minha casa, ouvindo o som dos pássaros e ao fundo o som do mar, das ondas. O amanhecer em Recife é particularmente lindo, o sol nasce no oceano e, antes que a temperatura comece a esquentar, você tem por alguns minutos o som do mar, o vento com as espumas das ondas e a sensação de se sentir abraçada carinhosamente por ele. Hoje por alguns instantes eu voltei a me sentir assim. Mesmo sem o mar, sem as ondas e sem o sol nascendo em Boa Viagem.

Sempre, desde que nasci especificamente, tive problemas com insônia. E a insônia esteve constantemente presente em ciclos na minha vida, épocas em que eu conseguia dormir, e épocas em que eu dormia 1 dia sim 1 dia não, ou passava 2 dias sem dormir. Na minha adolescência vivi um ciclo intenso de insônia e, foi quando eu decidi que mesmo exausta por não dormir, eu iria levantar quando o sol começasse a nascer para ver o amanhecer. Não dormir é um processo doloroso, doía e ainda dói quando eu não durmo. Mas por alguma razão eu sentia que ao levantar e contemplar aquele amanhecer e ouvir o som do mar, eu era completamente preenchida de amor, eles me acolhiam, diminuíam quaisquer dores e me davam forças para viver o dia que vinha pela frente.

Hoje onde eu vivo não tenho mais esse amanhecer, tenho um outro, repleto de prédios, carros, ônibus e uma bruma que se forma no céu e deixa ele com o aspecto de misterioso, escondido em meio a tudo que acontece ao redor. Não é a mesma coisa que ver o amanhecer em Boa Viagem, mas ao invés das ondas, eu escuto as pessoas em suas casas, ao invés do sol, eu as vejo em suas janelas, todas levantando, ocupadas com os afazeres daquele dia que se inicia. E isso de certa forma também é belo.

É a vida da cidade despertando, com os seus passarinhos tímidos e poucos, mas que são ouvidos. Com o sol tentando aparecer entre às vezes as pesadas e cinzentas nuvens, existentes devido ao clima e a poluição, mas que aquece mesmo escondido. A realidade que construímos ao nosso redor é reflexo do nosso estado de consciência, para alguns é só mais um dia que vai ser necessário levantar, sair correndo para se arrumar e ir trabalhar. Para mim, por alguns instantes, é o amanhecer que me abraça e que me diz que hoje é mais um dia em que eu estou viva nesse mundo tão bonito e, que mesmo sem as ondas, sem o mar e o sol laranja surgindo no oceano, hoje será um dia tão belo quanto foi o que eu vivi no passado.

 

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