A participação de mulheres e meninas na ciência

Maria Cecília 13 de fevereiro de 2023 09 minutos

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), desde 2015, comemora no dia 11 de fevereiro o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. A data faz parte de um compromisso global assumido pela organização na busca por maior igualdade de direitos entre homens e mulheres, principalmente em relação à educação. 

Meninas e meninos têm o mesmo potencial para seguir carreira em áreas da ciência. Contudo, a diferença principal são os obstáculos enfrentados por cada grupo, dificultando o acesso à educação de qualidade e o estímulo adequado para persistirem nos estudos. 

Conheça alguns dados importantes para o cenário de participação de mulheres e meninas na ciência e veja algumas ações práticas que estão sendo desenvolvidas para mudar essa conjuntura. 

 

Dados da participação de mulheres e meninas na ciência

De acordo com dados da própria UNESCO, apenas cerca de 30% dos cientistas em todo o mundo são mulheres (dados de 2017). Na América Latina, cerca de 45% são mulheres — o segundo melhor resultado entre os continentes. Os dados para o Brasil são feitos a partir de estimativas e estão entre 45% e 55%. 

No dia 9 de fevereiro, a Comissão Econômica da ONU para América Latina e Caribe, a Cepal, reuniu autoridades para discutir a implementação de políticas de igualdade de gênero. O Secretário Executivo da Cepal, José Manuel Salazar-Xirinachs mencionou que nos setores de engenharia, indústria e construção, a participação feminina é de apenas 30,8% no ensino superior, e tecnologias de informação e comunicação, com apenas 18% de estudantes mulheres.

Dados de 2015 mostram que as mulheres detêm aproximadamente 54% dos diplomas de Mestrado e Doutorado no Brasil — um aumento de 10% em relação às duas décadas anteriores, segundo a pesquisa “Mestres e Doutores 2015 — Estudos da demografia da base técnico-científica brasileira”. Contudo, quando olhamos para áreas como Matemática e Ciência Computacional, elas são menos de 25%, como explica a pesquisadora Fernanda de Negri no artigo “Women in Science: still invisible” no relatório “The Status of Women in Brazil: 2019”.

Ainda segundo Negri, outro ponto de atenção é a presença de mulheres no topo da carreira. Por aqui, pesquisadores com um elevado nível de produtividade recebem um subsídio do governo como forma de incentivo ao trabalho e, segundo dados de 2018, apenas 24% eram mulheres. E mais: apenas 14% dos membros da Academia Brasileira de Ciências são mulheres. 

Segundo dados de 2019 do IBGE, as mulheres são 46,8% dos professores do Ensino Superior, um aumento de cerca de 3% em relação a 2013. Em cargos de gerência, apenas 37% deles são ocupados por elas. 

Fernanda de Negri menciona ainda que uma pesquisa da revista Nature afirmou que 70% dos artigos científicos publicados por brasileiros foram escritos por mulheres nos anos de 2012 a 2018. Isso evidencia que não só existem mulheres interessadas em produzir ciência como elas estão ativamente fazendo parte desse setor e, ainda assim, continuam sub-representadas nos cargos mais altos da carreira. 

 

A importância da interseccionalidade

Em 2022, aconteceu o evento “Breaking Barriers for Gender Equity Through Research”, organizado e apresentado por editores da Springer Nature. Nele, cientistas de áreas como física e matemática puderam falar sobre a sub-representação de mulheres pesquisadoras nessas áreas. 

Um tema recorrente nas apresentações foi a necessidade de ações que considerem a interseccionalidade como fator. Isto é, mulheres que são parte de outra minoria, como raça, classe ou identidade de gênero, tendem a ter uma representação ainda menor. 

Voltando aos dados do IBGE, uma pessoa do sexo feminino, com mais de 14 anos e que se declara da cor branca, gasta em média 20 horas semanais com cuidados pessoais ou afazeres domésticos. Enquanto isso, esse mesmo perfil, mas com a autodeclaração de pele parda ou preta, gasta em média 22 horas. Homens, de qualquer perfil, gastam entre 10 e 11 horas. 

Mais horas de dedicação aos cuidados domésticos significa, em muitos casos, menos horas disponíveis para estudo e dedicação à carreira. A diferença entre pessoas brancas e de pele parda ou preta, muitas vezes, está pautada também pela renda, aumentando a distância entre os dois cenários. Por isso, mais do que a inserção de mulheres, é importante pensar também em ampliar os perfis de participação. 

 

Como estimular o ingresso de meninas na ciência? 

Começa na base da educação o caminho para garantir que mais mulheres participem da produção de ciência no Ensino Superior. Por isso, é fundamental garantir que meninas tenham não só acesso à educação de qualidade, mas sejam estimuladas a participar desses setores.  

As campanhas e informações e sensibilização sobre o tema também são importantes para que o problema seja reconhecido para começar a ser discutido e, quem sabe, transformado. 

No artigo “Why women are under-represented in science and engineering”, publicado no The Guardian, a professora Julia King afirma que a confiança, a visibilidade e a linguagem são alguns dos motivos para a sub-representação de mulheres na ciência e na engenharia. 

Ela explica que ao dizer que bonecas são para meninas e Lego são para meninos, estamos condicionando crianças a acreditarem que atividades práticas não são para garotas. Isto é, a sociedade não tem confiança de que elas possam executar bem esse tipo de atividade. Essa perspectiva é evidenciada por King ao mencionar que apenas 30% dos homens dizem ter algum tipo de questionamento sobre a própria capacidade, enquanto as mulheres são 50%. 

Outro ponto é a linguagem: o discurso da ciência e dos cientistas é sempre direcionado a homens usando palavras no masculino. Uma pesquisa conduzida desde os anos 1960 demonstra muito bem a potência dessa ideia. 

Há cerca de 50 anos pesquisadores vêm conduzindo a experiência “Draw a scientist”, em português, “Desenhe um/a cientista” — termo que, em inglês, não carrega marcas de gênero. O experimento é feito com crianças de 11 anos e pede que elas desenhem um/a cientista fazendo ciência. 

Na primeira rodada do teste, em 1966, de 5.000 desenhos analisados, apenas 28 representavam uma cientista mulher — todos feitos por meninas. Em 2016, cerca de 58% das meninas e 28% de todos os estudantes fizeram o desenho do sexo feminino. 

Nos últimos anos o estudo foi ampliado para crianças de outras idades e outra questão surgiu para os pesquisadores: quanto mais avançada a idade dos alunos, menor a porcentagem de cientistas mulheres nos desenhos. Isso demonstra que a mudança vem acontecendo, e as meninas estão à frente desse processo, mas ainda falta um importante caminho a ser trilhado. 

Os resultados desse estudo também estão conectados com o terceiro ponto levantado no artigo da professora Julia King: visibilidade. Para que meninas vejam a carreira na ciência como opções viáveis ou possíveis, elas precisam ver que existem outras mulheres nesse caminho. Ter acesso a modelos de representação é fundamental. 

 

Projetos que apoiam a inserção de mulheres e meninas na ciência

Como inspirar mudanças como essa vista nos estudos do “Draw a scientist”? Existem diversos projetos que estão nesse caminho e separamos aqui algumas iniciativas nacionais e internacionais: 

 

Sudeste

Vai ter menina na ciência

O evento planeja incentivar estudantes (meninas) do ensino fundamental 2 (oitavo e nono anos) e ensino médio (estudantes-meninas de cursinho também) em carreiras relacionadas com Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática. (USP/SP)

Incentivando Garotas na Computação 

Projeto que visa contribuir com a aproximação de meninas adolescentes à carreira da Computação. (USP/SP)

 

Nordeste 

Programa Futuras Cientistas

O Futuras Cientistas é um programa do Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (Cetene) que estimula o contato de alunas e professoras da rede pública de ensino com as áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática; a fim de contribuir com a equidade de gênero no mercado profissional. 

Engenheiras da Borborema

Projeto criado na Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, que tem como objetivo levar conhecimento da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM) a alunas do ensino médio de escolas públicas e incentivá-las a seguirem carreiras nessa área. 

 

Centro-Oeste 

Meninas.comp

O Meninas.comp é um projeto que fomenta a inclusão de meninas de escolas públicas do Distrito Federal por meio de iniciativas que estimulam esse público a ingressar em cursos ocupados majoritariamente por homens. O projeto foi idealizado por professoras do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília 

Programa Meninas Digitais

O Programa Meninas Digitais pretende divulgar a área de Computação e suas tecnologias para despertar o interesse de meninas estudantes do ensino médio em seguir uma carreira em Computação e está sob a coordenação da Secretaria Regional da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) em Mato Grosso. 

Projeto Investiga Menina!

Projeto de Goiânia, Goiás, com o objetivo de promover ações coletivas para o benefício da comunidade escolar, visando proporcionar experiências e informações sobre as contribuições das mulheres para a criação de recursos científicos e tecnológicos. 

 

Sul 

Projeto de Extensão Mulheres e Meninas na Ciência

O projeto da Universidade Federal do Paraná visa estimular a formação, inserção e manutenção científica, acadêmica e tecnológica de meninas e mulheres nas ciências e qualificar docentes e estudantes. 

 

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