Em um mundo cada vez mais conectado, onde os avanços tecnológicos nos permitem acessar uma infinidade de informações e de entretenimento com apenas alguns toques na tela do celular, é inevitável questionar: em quê estamos perdendo tanto tempo todos os dias? Por que temos a percepção de que 24 horas não é mais suficiente? Estamos vivendo plenamente ou apenas consumindo conteúdos de forma automática e interminável?
Um estudo realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), entre os anos de 2016 e 2021, revelou que os moradores das capitais brasileiras aumentaram o tempo gasto com dispositivos móveis, como celulares, computadores e tablets, de 1,7 para 2 horas por dia. O estudo feito pelo Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina coordenada pelo professor Rafael Moreira Claro, resultou no artigo Changes in Screen Time in Brazil: A Time-Series Analysis 2016-2021, publicado no American Journal of Health Promotion, no início desse ano.
Esse aumento, que é bastante significativo, nos leva a refletir sobre como os celulares têm mudado como nos comunicamos e interagimos, e também sobre os desafios que isso implica para o aproveitamento adequado do nosso tempo. Um grande problema é a tendência ao consumo automático de conteúdo.
O acesso rápido e fácil às redes sociais, e-mails, notícias e jogos pode facilmente nos envolver em um ciclo vicioso de rolagem infinita. O que começa como uma tarefa rápida no celular, como verificar uma mensagem, pode facilmente se transformar em horas desperdiçadas, desviando nossa atenção de atividades mais importantes e significativas.
Segundo artigo da BBC, Como celulares mudaram nossos cérebros, os impactos são tanto diretos quanto indiretos. Além das horas perdidas nesse rolar infinito, a mera existência dos celulares já se tornou um problema. Isso porque, em muitos momentos, nosso cérebro luta para inibir esse desejo de estar sempre no celular, gerando um cansaço que nem sequer nos damos conta. Esse excesso de informação e de tarefas que desempenhamos é bastante debatido por Byung-Chul Han em seu livro A Sociedade do Cansaço.
Essa sensação de estar sendo “sugado pela tela que rola sem parar”, como descreve o artigo da BBC, é uma realidade comum para muitos de nós. As notificações constantes, os vídeos sugeridos e os feeds intermináveis contribuem para um ambiente digital que nos mantém presos e nos impede de controlar conscientemente o tempo que passamos consumindo conteúdo. O medo de não estar conectado começou a ser chamado inclusive de nomofobia.
O uso prolongado de celulares e dispositivos móveis tem sido objeto de preocupação quando se trata do desenvolvimento cognitivo e seus impactos na saúde mental. Conforme mencionado no artigo do Globo, especialistas ressaltam a importância da educação digital como uma ferramenta essencial para lidar com os riscos associados a esse uso excessivo.
Quando estamos constantemente imersos em um fluxo interminável de informações, seja através de redes sociais, notícias ou outros conteúdos online, nosso cérebro enfrenta desafios significativos. A sobrecarga cognitiva decorrente do processamento contínuo dessas informações pode levar a um funcionamento cerebral comprometido.
O artigo menciona ainda estudos que têm demonstrado que o uso excessivo de dispositivos móveis pode ter efeitos negativos no desenvolvimento cognitivo, especialmente em crianças e adolescentes. O cérebro em desenvolvimento é particularmente sensível a estímulos externos, e o consumo constante de conteúdo digital pode prejudicar habilidades como a atenção, a concentração e a capacidade de raciocínio.
A dependência digital e o uso compulsivo de celulares têm sido associados a problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e isolamento social. A constante exposição a imagens idealizadas nas redes sociais também pode gerar sentimentos de inadequação e baixa autoestima.
No entanto, a culpa não deve recair apenas nos dispositivos móveis ou nas redes sociais em si. Eles são ferramentas poderosas, capazes de conectar pessoas, fornecer informações valiosas e oferecer entretenimento. O problema reside na forma como as utilizamos, sim, mas também nas estratégias usadas pelas grandes empresas para nos prender ali pelo maior tempo possível. Elas desempenham um papel central no desenvolvimento e na implementação de estratégias que buscam prender as pessoas a seus produtos, incentivando o uso contínuo e prolongado.
Essas empresas empregam táticas de design persuasivo, utilizando-se de técnicas psicológicas para maximizar a retenção dos usuários. Cada detalhe de uma rede social é construído para prender as pessoas. Dentro desse planejamento, estão inclusive os nossos sentimentos e a sensação de prazer que sentimos, devido a liberação de dopamina, por estar ali assistindo a horas e horas de vídeos intermináveis. Recursos como notificações constantes, mecanismos de recompensa, algoritmos de recomendação personalizada e a criação de interfaces altamente envolventes são projetados para manter as pessoas “presas” em suas plataformas.
É crucial que esse desenvolvimento seja questionado e a transparência e a prestação de contas são elementos essenciais nesse processo. As práticas de design e os algoritmos utilizados devem ser abertos ao escrutínio público, permitindo que os usuários compreendam como são influenciados e tenham mais controle sobre seu uso.
As empresas podem desempenhar um papel ativo no fornecimento de informações sobre os impactos do uso excessivo de dispositivos móveis e no desenvolvimento de programas de educação que ensinem habilidades de gerenciamento do tempo, uso consciente da tecnologia e alfabetização digital.
Nesse mesmo contexto, é importante promover a conscientização e a educação digital. Esse conhecimento pode ser usado para informar políticas de design mais éticas, que priorizem a saúde e o bem-estar dos usuários, em vez de simplesmente buscar maximizar o tempo de uso.